quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Era uma vez


Era uma vez que de miúda se fartou de ser, não queria ser apenas uma ocasião, muito menos uma repetição.
Não queria ser alternativa ao comum e ao mesmo tempo não queria ser uma simetria dos demais. Basta!
A vez queria crescer, não queria ser começo de história juvenil, não queria ser tudo aquilo que lhe diziam ser, queria arrancar um movimento reaccionário, revoltar-se contra a sua identidade, transformar-se...
Colocou um chapéuzinho na sua vogal, arrancou a dentes o seu zê e, no meio de bailaricos de verão, conquistou um bonito ésse, mais maduro...
Agora que era gente feita, que tinha crescido, queria aprender mais sobre a vida.
Não queria estar agarrada a um verbo, que a fazia mulher comprometida, que a agarrava a uma prisão.
Pois, apesar de promiscua, a sua irreverência e libertinagem fê-la mudar de ares, fugir de conjugações que a prendiam a amores eternos e enjaulados.
Fugiu!
Ao fugir, deixou para trás o seu altivo vê a chorar... Num caminho sem rumo, encontrou um éme que a deixou encantada.
Era a ele que se queria juntar.
Apesar de menina má que era, pretendia recompor a sua vida, agarrar-se ao éme, estático e austero... Porém, mais uma vez, se fartou de estar presa, não era mulher para estar presa, cada vez mais se mentalizava disso, não se podia agarrar a tudo o que mexia com o seu confuso e palpitante coração.
Farta de ser um conjunto de dias, que apesar de irregulares, a aborreciam, deixou mais uma paixão para trás.
Começava a gostar da sua vida alucinante, tornara-se uma mulher que procurava prazer carnal, pura e simplesmente prazer carnal, mas que ao mesmo tempo sentia prazer em despedaçar os corações das suas paixões momentâneas, essas letras que tanto a perseguiam à procura de fornicação selvagem e acabavam por se render ao seu charme de palavra bem feita.
Abandonou o chapelinho de jovem promiscua!
Abandonou o ésse que durante tanto tempo a acompanhou!
Abandonou o é que a lembrava dos seus tempos de criança!
Deitou fora a sua identidade e deixou-se encantar por um á matreiro, bonacheirão... Apenas deixou ficar o éme, um capricho, um favor...
Era agora um forte adjectivo.
Sentia-se satisfeita com a vida que levava, cru e duro adereço.
Sorria agora.
Era palavra forte, era alicerce usado para marcar posição, era feliz assim, vivendo a adjectivar grosseiramente palavras, palavrões e palavrinhas...
Tinha poder de classificar, de deitar abaixo...
Os anos passaram-se e continuava feliz, contudo algo estava mal.
Talvez cansara-se da monotonia do austero éme, ou da vida boémia do á garanhão, ou mesmo do tímido acento que acompanhava o na fanfarra.
Talvez estava farta de ser adjectivo.
Talvez estava farta de deitar abaixo outras palavras.
Talvez...
Olhava para trás e via o que tinha subido na vida.
Via sucesso. Mas nenhuma palavra ou acento conseguia retirá-la daquele histograma de depressões e melancolias... Porquê?
Queria agora voltar atrás e ser o que era... O início de uma história juvenil.
Porém, era muito tarde.
O fim da história aproximava-se.

O escritor cansou-se.

FIM

Rubrica Maltratada