Era uma vez
Era uma vez que de miúda se fartou de ser, não queria ser apenas uma ocasião, muito menos uma repetição.
Não queria ser alternativa ao comum e ao mesmo tempo não queria ser uma simetria dos demais. Basta!
A vez queria crescer, não queria ser começo de história juvenil, não queria ser tudo aquilo que lhe diziam ser, queria arrancar um movimento reaccionário, revoltar-se contra a sua identidade, transformar-se...
Colocou um chapéuzinho na sua vogal, arrancou a dentes o seu zê e, no meio de bailaricos de verão, conquistou um bonito ésse, mais maduro...
Agora que era gente feita, que tinha crescido, queria aprender mais sobre a vida.
Não queria estar agarrada a um verbo, que a fazia mulher comprometida, que a agarrava a uma prisão.
Pois, apesar de promiscua, a sua irreverência e libertinagem fê-la mudar de ares, fugir de conjugações que a prendiam a amores eternos e enjaulados.
Fugiu!
Ao fugir, deixou para trás o seu altivo vê a chorar... Num caminho sem rumo, encontrou um éme que a deixou encantada.
Era a ele que se queria juntar.
Apesar de menina má que era, pretendia recompor a sua vida, agarrar-se ao éme, estático e austero... Porém, mais uma vez, se fartou de estar presa, não era mulher para estar presa, cada vez mais se mentalizava disso, não se podia agarrar a tudo o que mexia com o seu confuso e palpitante coração.
Farta de ser um conjunto de dias, que apesar de irregulares, a aborreciam, deixou mais uma paixão para trás.
Começava a gostar da sua vida alucinante, tornara-se uma mulher que procurava prazer carnal, pura e simplesmente prazer carnal, mas que ao mesmo tempo sentia prazer em despedaçar os corações das suas paixões momentâneas, essas letras que tanto a perseguiam à procura de fornicação selvagem e acabavam por se render ao seu charme de palavra bem feita.
Abandonou o chapelinho de jovem promiscua!
Abandonou o ésse que durante tanto tempo a acompanhou!
Abandonou o é que a lembrava dos seus tempos de criança!
Deitou fora a sua identidade e deixou-se encantar por um á matreiro, bonacheirão... Apenas deixou ficar o éme, um capricho, um favor...
Era agora um forte adjectivo.
Sentia-se satisfeita com a vida que levava, cru e duro adereço.
Sorria agora.
Era palavra forte, era alicerce usado para marcar posição, era feliz assim, vivendo a adjectivar grosseiramente palavras, palavrões e palavrinhas...
Tinha poder de classificar, de deitar abaixo...
Os anos passaram-se e continuava feliz, contudo algo estava mal.
Talvez cansara-se da monotonia do austero éme, ou da vida boémia do á garanhão, ou mesmo do tímido acento que acompanhava o na fanfarra.
Talvez estava farta de ser adjectivo.
Talvez estava farta de deitar abaixo outras palavras.
Talvez...
Olhava para trás e via o que tinha subido na vida.
Via sucesso. Mas nenhuma palavra ou acento conseguia retirá-la daquele histograma de depressões e melancolias... Porquê?
Queria agora voltar atrás e ser o que era... O início de uma história juvenil.
Porém, era muito tarde.
O fim da história aproximava-se.
O escritor cansou-se.
FIM
Rubrica Maltratada
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